terça-feira, 28 de outubro de 2008

Aprendizagem

Abri os olhos e a luz intensa cega-me por
Breves instantes. Onde estou?
Estou numa gigantesca sala branca
Na qual não encontro as paredes ou tecto.
Mas sei que estou numa sala.
Estou sentado numa cadeira confortável.
Sinto que não estou amarrado mas não
Me consigo levantar.
Enquanto medito na razão para tal bizarra
Situação, aparecem na sala três homens.
Todos vestidos de preto, sem qualquer emoção no
Rosto, carregados de livros com folhas escritas,
Folhas arrancadas e folhas acrescentadas.
O livro de aspecto mais usado e antigo
Tem como título a data do meu nascimento.

O coração acelera o passo e começa a correr
Como se não existisse amanhã.
Corre, corre, corre, corre e corre um pouco mais.
A cada um chega a sua hora.
E a verdade mata-me como a morte mata uma vida.
Começo a cantar em voz baixa:
“Eu nunca falhei para sentir dor.”

Os homens começam a cantar comigo.
Enquanto cantamos percebo a razão de tal
Bizarra situação.
Cumprido o objectivo, os homens afastam-se.
Eu levanto-me e sigo o meu caminho
Consciente de que aprendi mais uma lição.



27/10/08 – (música cantada em voz baixa, Nirvana – You know you’re right)

Queda livre

Sempre desejas-te mais do que o possível. Sim, o céu é o limite mas tu quiseste ultrapassar o céu. Bem sei que só os tolos se apaixonam. E os que ainda ousam ultrapassar esse estado de loucura começam a amar. Mais interessante ainda é observar ou viver as loucuras de quem ama. Desde os gestos, às surpresas sempre únicas, as canções decoradas ou inventadas, as manifestações escritas ou ditas ao bom estilo cinematográfico. Mas para mim, aquilo que me faz quase esquecer isso tudo são as promessas, as juras de amor. Porque tudo o resto fica guardado na nossa memória, para o bem ou para o mal, mas ficam guardadas. Algumas para sempre, ou até serem esquecidas ou ainda até serem substituídas. Tudo o resto é sentido no momento, as promessas têm esse condão de serem feitas em alturas de clímax sentimental. Podem-se considerar uma verdade aparente, mas regra geral não passam de falsas verdades sem qualquer exactidão, em que muitas vezes não passam de um pretexto para passar o tempo.
Sei que o mundo muda e muda constante assim como sei que nós também mudamos e mudamos constantemente. Quando dizem que tudo pode mudar num segundo não estão assim tão longe da verdade. Agora que penso no assunto penso que Romeu e Julieta morreram para garantir que o ser amor seria eterno. Ao morrerem encontraram uma maneira romântica de se amarem para todo o sempre evitando assim cair nas milhares de situações que levam duas pessoas a separar-se. Seja como for a história contada, encontro sempre beleza no seu final. Fazias-me sorrir nessas tuas ideias de um amor resistente à morte. Era belo de facto mas pouco provável. Ninguém sabe o dia de amanhã, muito menos os supostos dias depois da morte.
Os meus pés sempre pisaram uma terra firme, de uma firmeza bela e real. Nunca prometi o impossível e sempre cumpri o que prometi. Depois de ultrapassares o céu perdi-te de vista. O que hoje sinto é um constante céu que me cai em cima em constante queda livre.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Quando Deus me tirou os sentidos

Acordei certo dia
Vivendo um pesadelo
Soube desde logo
Que jamais iria esquece-lo.

Uma luz pálida expulsou-me
Da mim e obrigou-me a caminhar
Na rua.
Vi então uma chuva forte que
Caía do céu
E eu nada sentia,
Tudo em volta molhado
E eu privado da sua frescura.
A saudade antiga fez-te correr
Até mim, agarrei-te com força
Como se te fosse perder outra vez.
Afinal era um sonho.
Mas não sentia a tua pele
Beijei-te e não sentia o teu sabor,
Afinal era um pesadelo.
Encostei-me a ti… e nada cheirei.

Bate-me até perder os sentidos,
Não basta a fé que tenho?!
Acredito, não preciso de rituais inventados
Por homens que se julgam melhores,
Respeito, não preciso de ficar com
Os joelhos dormentes,
Digo, não preciso de ser hipócrita.
Perco a visão e fico nessa incógnita existencial
Do ser: não vejo, não sinto, não saboreio, não cheiro,
De que vale não sentir dor?
Não vale de nada.
Seja pois feita a Tua vontade
Se essa for igual à minha.

22/10/08 – 23:00

sábado, 18 de outubro de 2008

Psicanálise

Eu sei que as peças encaixam
Porque as vi caírem desfragmentadas no chão,
Mas imagina que aceitavas a verdade.

Um vírus, um cancro que te
Devora por dentro
Enquanto sorris de frente para
A vida.
Ninguém te pode dizer
O que deves sentir,
Ninguém te pode dizer
O que queres gritar.

Pobres crentes na ilusão humana,
Apalpam pedaços de céu na
Vontade vã de se sentirem superiores.
A alegria que me corre nas veias
Deve-se a esta vontade não efémera
De provar que estão errados.

Os teus olhos que penetram
Numa solidão escura e sem sentido
Acabarão por se habituar à luz.
Deixa-te ser quem és.

Julgam poder voar alto como Ícaro
E cairão dessa mesma altura.
E não será a queda que vos magoa
Será terem-se tornado naquilo que mais temiam.

Num revirar constante de identidades
Subjectivamente infinitas,
Freud pensou:
Não há bem que sempre dure
Nem mal que dure para sempre. Ainda mal!

(17/10/08 – A primeira estrofe é tradução ligeiramente alterada de frases das músicas “The truth”(Limp Bizkit) e “Schism”(Tool). )

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Encantamento

Por isso vim,
Envolta em sombras
E cinzentas poeiras
Ouvi-te chamar.
E porque iluminas
Pedaços da noite
Como matas o dia
Trazendo as trevas
Vim.
Enfrento-te sem nada recear.
Enquanto me encantas
Eu finjo não me deixar
Encantar, saboreio a tua
Pessoa e gosto tanto
Da tua presença
Como gosto do teu lado lunar.

Um ódio reprimido
Solta o meu eu num
Espaço reduzido ao teu encantamento.
O melhor passou a pior
Num instante banal,
Sem regras, sem justificações,
Sem beleza…
E quando algo perde a beleza,
Seja ela de que género for,
Tudo perde sentido e lógica.
Quando vejo a tua alma
Força de tempestade
Tornar-se brisa,
Onde luto por ressuscitá-la
Sem conseguir,
Então começo a perder
O encantamento.
Com triste agradecimento
Procuro desencantar-me.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

E os deuses

Zeus pede cinco tempos e vai até à varanda. Senta-se e suspira. Limpa o suor da testa com o braço esquerdo. Acende um cigarro com a ponta do dedo e deixa-se fumar lentamente. Ainda cansado e com o coração em altos batimentos arranja forças para gritar pelo seu filho Apolo. Apolo vem correndo mais depressa do que o costume, pois trata-se do seu pai.
- Chamou?
- Chamei. Faz-me um favor, diz à minha esposa que tive uma reunião que vai prolongar o meu atraso.
- Com certeza pai… Hoje está com um ar mais cansado do que o normal, está bem?
- Ela hoje está insaciável.
Apolo correu então ainda mais depressa em direcção à actual esposa de Zeus, com uma nova verdade em forma de mensagem.
- Devo estar a ficar mesmo velho. Suspirou o velho Zeus.
Volta a entrar no quarto e ei-la ainda mais bela do que à cinco tempos atrás. Desta vez tinha um lençol branco que serpenteava todo o corpo, cuidadosamente por acaso tapando o ventre e os seios.
“Basta ser mulher, que homem ou deus cai na loucura. Nem só da alma podemos nós viver”, pensou. Estava agora loira, outrora morena e chegou mesmo a experimentar um tom mais ruivo. Era Vénus. Como sempre sublime, bela, intocável a qualquer um, desejando ser tocada por todos.
- Não me queres amar mais hoje?, perguntou Vénus num tom cedente de mais amor, num misto de brutalidade e melaço, enquanto se movia de mil maneiras diferentes, daquelas que levam um homem ou deus a uma loucura injustificada racionalmente. Amar… Estamos pois diante de uma palavra, com significados vários. “A carne é fraca e de muita carne vive o homem e o deus”, pensou Zeus.
- A minha esposa espera-me…
- Pois bem… Deitou-se então e apoiou a cabeça nas mãos formando uma rampa perfeita com as suas costas, num declive divinal. Que perfeição, o cabelo preso no lado direito dava a mostrar a sua cara, o seu pescoço, cada linha sua, os ombros e os belos seios que pendiam relativamente no ar apenas agarrados por aquele magnifico corpo. “Nem os homens nem eu!”
…Porém.

Zeus tinha pedido cinco tempos na varanda. Vénus olhava-o através das cortinas transparentes. “Tanta sabedoria e experiência num corpo tão belo.” Olhava-o com aquele amor de que se apaixona, de quem à primeira vista só procura atingir os olhos e a alma. Mas depressa mordeu o lábio e desejou toda aquela força possante dele nela. Afinal era apenas um corpo, talvez o melhor, mas apenas um corpo, que mais do que qualquer outro estaria ali a fazer o impossível para a fazer ter prazer. “A carne é fraca e é a carne que o homem ou o deus deseja, que o faz trair o espírito.”
Os seus cabelos brancos caiam-lhe harmoniosamente na testa. Um pescoço forte ligava o bonito rosto aos fortes ombros, donos de braços esculpidos. Todo ele ardia harmonia. Vénus gostava de harmonia e adorava queimar-se.
Zeus entrou no quarto. As velas iluminavam apenas uma das suas faces, como se exprimisse também a sua alma; a fome carnal ou uma presença crescente de espírito.

Há várias coisas que passam pela cabeça de um homem ou deus nestes momentos. Todas elas apesar de lógicas, vêem sempre desordenadas. Por um lado: vive a vida, aproveita o momento, goza o sabor doce da traição. Por outro lado: se amas quem amas para quê fazeres isso? Se amas quem desejas e desejas quem amas, para quê?
Zeus sorriu a Vénus e saiu do quarto. Reflectiu no caminho para casa. “É verdade que desejo Vénus, mas não a amo e desejo mais quem amo. É essa talvez a diferença entre paixão e amor. A paixão pode ser avassaladora, tão forte que parece por vezes derrubar o amor. Mas não. O amor está sempre lá. Cresce, esconde-se das intempéries e se for verdadeiro volta ainda mais forte.“
Errar é humano e divino, cabe pois ao homem ou deus aprender com o erro e não voltar a errar. E Zeus foi assobiando felicidade no caminho para casa.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Fragmento do ser

Ficas-te preso ao tapete
Desde o esquecimento da
Empregada de Fernando Pessoa.
Sentes os pés de quem te pisa
E sentes revolta:
Ou pisam de propósito
Fingindo não te ver
Ou pisam porque não te vêem.
Das duas uma,
E das duas ficas sempre infeliz.

És vidro partido, pedaço de porcelana,
Pedaço de alma fragmentada, fragmento de ser.
Tentas esquecer em vão
A razão pela qual te esqueceram no chão.
E sonhas todos os dias
Que alguém repare em ti
E te coloque no lixo,
Lugar onde encontrarás
Mais pedaços esquecidos e partidos
Como tu.
Fechas os olhos e tentas ignorar
O facto de a empregada ter
Acabado de varrer todo o tapete
Deixando-te numa solidão limpa.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Humanador

Só acredito num deus que saiba dançar.

Porque até lá respiro.
Subiste ao púlpito e gritas-te
O teu sermão para os teus
Fiéis. Eles gostam de ti.
Enquanto gritas, todos
Fingem prestar atenção.
E tu gostas dessa sensação.
Sofres e falas as tuas verdades
Em voz alta, com os sentimentos
Ao teu rubro, com uma força
De vontade tamanha que quase
Te chego a admirar.
Estou sentado na extremidade
Da sombra, tu sentes a minha
Presença e gritas ainda mais alto.

Alguns sorriem, ou acenam
Positivamente, tu começas a chorar,
Percebes que eles nada sabem de ti,
São apenas pessoas colocadas
No lugar certo para te fazer viver.
Dooooooooooooooooooooooooooooor!
Começas então a sussurrar
Para a única pessoa que te escuta.
E sussurras para mim.
No fim, só eu poderei dizer
Enquanto caminho para longe de ti
Se foste ou não uma desilusão.

Beleza artificial

Perguntaste-me certo dia
Até que ponto era eu real.
Disse-te que não bastava
O facto de existir, de estar
Nesse momento a olhar-te nos olhos
E a dizer-te ditos de amor.
Ficas-te sentada a olhar
Para mim, sorris-te
E fizeste-me o elogio mais
Original que me fizeram até hoje.
Disseste-me que tinha um aspecto confortável.
Ri-me e disse-te que a melhor
Prova de que existia
Era contar-te tudo o que já tinha sido,
Tudo o que era e tudo o que queria ser.
Acrescentei ainda, que seria desde logo
Mostrar-te todas as qualidades e defeitos meus.
E que contigo, se eu de facto existisse,
Devia abusar das minhas qualidades
E acalmar desde logo os meus defeitos.
Ficas-te satisfeita com a resposta
E continuamos a conversar.

sábado, 4 de outubro de 2008

Last day on earth

Visto deste meu actual presente. De certo faltam muitas coisas, de qualquer maneira nesse dia, mais do que em qualquer outro, o tempo passará a voar. Serio o meu. Como será o teu? Aproveita pois, como diz o povo, cada dia como se fosse o último.

“O que farias de diferente se o mundo acabasse amanhã, se exactamente ao fazeres algo diferente o mundo não acabasse?” (Bill Watterson – criador de Calvin and Hobbes)

Descobri hoje que tenho como últimas horas a réstia de tempo dos minutos de um nascer do sol até ao outro nascer do sol.
Acordo às oito da manhã e deixo-me na cama. Saboreio a sorna matinal no aconchego da cama. Sem alguém ao meu lado a quem possa acordar com suaves beijos, visto os calções e vou correr um bocado. Correr, pelo simples prazer de correr, sem qualquer meta, apenas até os músculos pegarem fogo e os pulmões fraquejarem é o que eu mais gosto.
O resto da manhã passo-a com os meus. Recordamos os velhos tempos. Choramos de tanto rir com histórias e fotografias antigas. Dedico um tempo especial à minha irmã. Ela merece-o. Damos um passeio agradável. Prometo-lhe que à tarde estará comigo na despedida da praia e do mar.
Volto para casa e despeço-me de quem posso através do computador e telefone. Vou ouvindo todas as músicas que posso. Almoço a melhor lasanha alguma feita por um português. Bebo água, a melhor bebida até hoje inventada.
Peço um momento a sós e passeio na minha rua. A mais comprida estrada lisboeta, a Estrada de Benfica. Não choro mas comovo-me, a minha rua e um último caminhar nela. Adeus vizinho e conhecidos, foi um prazer.
Reservo uma boa fatia da tarde para pegar nos meus verdadeiros amigos. Nunca vos esquecerei. Há três coisas que os verdadeiros podem e devem fazer: estar lá no bom e no mau, apoiar-nos quando estamos certos e corrigir-nos quando estamos errados. Por último filosofar ou rir até não podermos mais. Vamos de carro para me despedir dessa cidade mais bonita que alguma vez encontrei. A grande Lisboa. Colocamos uma banda sonora só nossa. Variada. Lisboa serei para sempre teu. Sentirei falta de cada pedra na calçada tão perfeitamente colocada com arte e engenho, dos teus monumentos, dos teus mendigos, lojas e paisagens. Lamento não me puder despedir de sítios tão belos como o Algarve, Sintra, a terra da minha avó e mais ainda do grandioso Porto.
Na praia aproveito a areia, a calma e o mar. Amigos de todos os géneros e família. É bom estar ali.
Tinha mesmo razão, tantas coisas para fazer e tão pouco tempo. De volta a casa faço uns últimos recados e janto esparguete à bolonhesa. Que posso dizer? Adoro comer e adoro comida italiana. A comida portuguesa ficará sempre no meu paladar, desde a feijoada, cozido à portuguesa, os enchidos, os peixes, as sopas. A melhor.
Despeço-me por fim da minha família, como qualquer viajante para a morte deixo uma mensagem especial para cada um.
Saio de casa. Uma noite enorme espera-me. Com os meus amigos vamos viver o que resta da minha vida.
Conversamos, bebemos álcool até ao estado de felicidade consciente e rimos.
De manhã corri, de noite danço. Dançar liberta-nos. Ironicamente parece-me a noite mais comprida que alguma vez já tive dada a diversão diversificada. Está quase a nascer o sol. Vamos até Belém enquanto saboreio um ‘final-fast-food’.
Ao pé do rio Tejo despeço-me de cada um deles e de todos em conjunto. Sento-me e acendo um cigarro. Este rio sujo é o meu rio. A sua calma espera-me. Sem ninguém a quem por o braço por cima do ombro penso em todos o que ali queriam estar. Mas se a morte pode ser silenciosa também assim seria a minha despedida.
Como todos aqueles prestes a morrer ou como todos aqueles que perdem alguém reduzo-me à realidade: quem me dera voltar atrás, quem me dera ter vivido mais, ter corrido até não poder mais, ter amado cada mulher como se fosse única e última, ter feito tudo de melhor que conseguisse. Não choro, gostei de ter nascido e amei viver a vida.
A banda sonora final? O pouco barulho do rio e os carros que passam. Porque nesta vida a banda sonora é incontável, para todos nós, uma mistura de todos os estilos de música. O sol vai espreitando e desta vez não abre a janela do meu quarto mas a janela para morte. Riu-me sozinho, depois do dia que tive hoje o que poderei mais ver nas visões ante morte?


(depois de ter escrito, de facto reparei, faltaram algumas coisas)