segunda-feira, 21 de julho de 2008

Poemas d'A outra face

Estes são dois poemas de A outra face. Adorei escreve-los. Fazem parte de um passado algo recente. Foram o ponto de partida para uma poesia mais "séria", não que fosse boa ou melhor ou pior, mas foi o inicio de um amadurecimento do sujeito poético em várias perspetivas. Aproveito e dedico, em sentido de homenagem e reconhecimento o poema Vivo hoje para morrer noutro dia, a Alváro de Campos. A ele e a Fernando Pessoa, à sua maneira dois poetas, o mesmo, o melhor poeta de sempre.

Vivo hoje para morrer noutro dia

Vivo hoje porque não quero
Comer suicídio assumido à sociedade
Pelo sangue ou pela dor ou não
Sentida.
Apesar da não-água que corrói
As minhas úlceras e gastrites,
Apesar do escuro que lanço para
Os pulmões, apesar de tudo.
Vivo hoje para morrer noutro dia.
Não me enfiem conquistas,
(Campos estavas tão certo)
Sejam lá elas do que forem.
Acho tanta graça a essa ganância
Pelo inútil, como vibram por mudarem
O acento circunflexo duma palavra esdrúxula
E adjectiva do verbo substantivo.
As leis modificam-se para se mudar
Algo…
Tantas complicações…Vocês só complicam,
Fazem compilações de complicações.
Continuo a dizer que sou diferente
Por ser um doente consciente
Assim como Sócrates sabia um
Pouco mais (um pouco mais dizia ele)
Por admitir que nada sabia.

Vivo hoje porque prefiro morrer noutro
Dia,
Apesar de saber que para morrer
Qualquer dia serve.
Vivo hoje porque sei que o passado
Já passou, e o futuro ainda não chegou.
A vida é o agora, é o instante é
O presente, tudo o resto?
Não faço a mínima ideia.

Impressão digital


Acordo todos os dias
Com a impressão
Que estou a mais no mundo.
Maldita a hora em que
Comecei a inalar essa substância
A que chamam oxigénio.
As razões do meu nascimento
São uma incógnita, até mesmo
Para Deus.
Sinto-me mais inútil do
Que o uma pedra que não respira
Não come, não se mexe, não fala,
Não dorme, não acorda, não ama,
Não ajuda e não é ajudada…
Sinto-me acompanhado
Como um grão de areia no deserto
Pois ninguém conversa e mesmo
Que conversassem apenas perguntas
Fariam.
Sinto-me frustrado pois são todos
Diferentes de mim, todos dizem saber
O que fazem neste mundo,
Todos sabem os seus sonhos e
Quais os que são possíveis de concretizar.
Prefiro um pesadelo a um sonho
Pois está mais próximo da realidade.
Realidade essa que desconheço.
Não sei ao certo se estou
Mais longe de mim ou dos outros.
Nasci e cresci, ponto final.
Nada trouxe ao mundo
E o mundo nada me trouxe.
Talvez apenas um pouco de desilusão.
Não que estivesse à espera de algo
Só não estava à espera disto.
Acho que não passo
De uma cara sem razão de alma
Num bilhete de identidade
Sem impressão digital.