Pelo terceiro olho.
Hoje não deveria ter acordado...devia ter prolongado o sonho. Em tantos dias, fosse por cansaço, fosse por sono, nunca senti necessidade de ficar um pouco mais ali deitado...fingindo não ter responsabilidade de estar noutro sitio...mas hoje, hoje não deveria ter acordado.
Saí das minhas crenças e filosofias de vida; queria que a verdade não existisse ou perdesse a importância, para que a ilusão ou a mentira ganhassem relevo, e de certa forma, se tornassem reais. Hoje não deveria ter acordado...Acordei preenchido de felicidade, e um sorriso roçava o ar e a almofada.
Tudo pareceu tão real, tão palpável, tão autêntico, não foi um sonho novo, foi um passado revivido...e eu queria ter dormido, durante tanto tempo...mas acordei. E os primeiros segundos são bons, estamos conscientes que tudo supostamente aconteceu, que é presente, mas depois...a realidade oferece-nos um estalo total, mostrando-nos que tudo aquilo que parecia tão verdadeiro não passou de uma ilusão, de uma brincadeira do nosso cérebro, para nos agradar por momentos.
Se conseguisse chorar, ou chover, chuvia ou chorava gotas de ácido, fingindo acreditar que todo este sentimento, ou partes de sentimentos, curavam-se enquanto saiam...mas ao mesmo tempo, mesmo que isso fosse possível, as gotas iam-me furando o corpo, arrancando e vaporizando a carne, o osso, a pele...deixando espaços no vazio, numa utopia da sua substituição ou preenchimento.
A teoria parece cada vez mais fraca, porque não consigo já encontrar justificações a quem não compreende, mesmo que não tenha nada a justificar; mesma que as justificações se possam resumir numa...
Noutras alturas, noutros momentos, admiti ser um doente consciente; e agora, uma vez mais, deveria admiti-lo. Porque a minha ingenuidade começa a ser igual à daqueles que não sabem que os sonhos são apenas o alimento da alma; e eu não deveria estar preocupado em ter acordado, mas sim em ter sonhado...Mas é-me tão dificil, não sentir a tua presença, mesmo não a tendo, porque tudo parecia tão real...
Uma bala que entre num corpo, sem tocar num osso que seja pode ser retirada sem deixar qualquer vestígio; mas uma bala que toque num osso e que se parta em vários pedaços pode sempre deixar no nosso corpo, fazendo ou não mal, partes de si, começando a fazer parte de nós. E tu começaste a fazer parte de mim, querendo ou não, seja quem for que o queira ou não.
E eu não deveria querer dormir mais, prolongando-te em mim...eu sei disso. Mas as gotas de ácido queimam e furam um coração que por momentos fingiu ganhar vida, e cegam
por momentos
um terceiro olho
que espera abrir.