quarta-feira, 15 de junho de 2011

Torniquete

[Sexta coligação literária contigo, e mesmo assim a elevação mantém-se, obrigado por esta excelente companhia. Para Joana GTH.]

Eu tentei matá-la. Eu tentei.
Estarei perdida por isso?
Tive de fazê-lo. Já não a suportava.
A dor era terrível. A perda foi enorme.
Estou a sangrar lentamente,
Tu eras a única coisa que impedia isso.
Eras tu que aparecias nas horas de
Escuridão; eras tu que me davas alento.
Agora já sem esperança, agora coberta
De escuridão, eu enfrento o meu destino.
Eu aceito o inevitável e deixo-me ir.
Entrego-me ao alívio que o sangue que
Escorre me deixa sentir. Já não há nada aqui.
Estes cortes e estas feridas dizem apenas
Que a salvação virá em breve. Ela virá.
E até lá, vão continuar a levar o melhor
De mim. O que restou.
Para trás fica a derrota, o arrependimento.
O putrefacto. A morte.
E eu tentei matá-la. Eu tentei...
Trancado em horas que se prolongaram
Em dias...Eu tentei. E só Deus sentiu
O sangue que sangrei...Sentei-me
Na dor; perdido, arrancando sonhos
À minha existência. O futuro já não é ambicionado,
E esta dor é a companhia mais fiel que tenho.
Sem esperança de ser algum dia recuperado
A fome de voltar a encontrar
É tão forte como a certeza de que estou vazio.
Por isso corro contra toda esta realidade
Até cair exausto por terra
Finalmente derrotado...
Beija-me esta ferida. Sara estas feridas.
Quanto tempo mais aguentamos nestas
Curas malditas que só me fazem piorar?
Ópio, lítio ou absinto...
No arrependimento, quando sentir
Que Deus chorou, nada mais interessa.
Maldição monstruosa esta, que faz o coração
Bater e desejar, tentar e perder,
E derrotar um universo inteiro
De perda e desilusão...
Mas eu...eu,
Mesmo respirando esta sombra,
Mesmo sendo enorme nesta escuridão...
Mesmo depois de tanto,
Sofro mais uma vez o erro
De voltar a querer acreditar...
Este acreditar já não me traz nada.
Estas palavras não têm significado,
A dor que carrego é mais que muita.
O fardo até aqui foi insuportável, mas
Eu carreguei-o pensando ser eterno.
Aguentei-o até ferir, até todas as forças
Serem drenadas do meu ser. Para quê?...
Ia inevitavelmente cair neste precipício,
Ia levar-nos à morte. A mim e a ti.
Não ia sobrar nada, só a cinza da escuridão,
Só a sombra da morte. Eu acabei.
Deus foi minha testumunha, só ele sabe
O que eu passei. Só ele viu o sangue
Que brotou de mim, dia após dia,
Lágrima após lágrima. E nunca o estancou.
Só me trouxe mais sofrimento, mais
Agonia, mais vontade de acabar com isto.
Ainda te lembras de mim? Após tanto tempo,
Será que ainda és capaz de ouvir a minha voz
A chamar por ti, a suplicar por perdão?
Estarei assim tão perdida ao ponto de não ver?
Estarei assim tão horrivelmente danificada
Que ao menor espinho cravado na minha
Carne julgo ver a face de um anjo caído?
Resto eu aqui, com o que sobrou de mim.
Com a réstia de esperança em trapos, com a
Miséria a escorrer por todo o lado. O rio de
Desespero já correu a meu lado e eu deixei-o secar.
Eu tentei matá-la mas falhei. Não consegui
Perceber que há muito que não existo.
Só finjo existir. Eu tentei matá-la. Agora desisto...
Enquanto essas almas choram
Sem saber e sem lugar;
Afogadas em névoa sem suspiro
Ou vento que sacuda esse todo
Deixando espreitar um caminho...
Nunca mais chega o dia
Em possa finalmente comtemplar
Sentado num banco, sentindo-me
Outra vez completo,
a cidade a viver
e o campo a descansar...Onde possa
abraçar faces diferentes
da mesma peça...
Esta é a dor, este é o sofrimento,
Neste sangue que enche as paredes
Da vida humana
Fazendo com que do sangue
Só possa surgir um e um só monstro,
Enquanto todos vós vivem outra dor,
Jorram outro sangue...
Nesta mágoa utópica.
E foi só aqui que desisti...
Quando compreendi
Que não precisava de um qualquer
Torniquete
Ou de outros apaziguadores...
Mas apenas de ti.