terça-feira, 5 de outubro de 2010

O cemitério dos vivos

Eu costumava ter uma voz...
Era uma voz que se fazia sentir perto
dos corações mais próximos.
Às vezes penso que posso ser mais,
mas depressa me esqueço como aqui vim parar,
Todos os dias são iguais,
todos.
Eu costumava mostrar caminhos
e sentir palavras
e gestos,
Eu antigamente era uma voz,
agora, e só agora, fiquei para trás.
E sou observado, de formas nunca antes sentidas,
e de uma forma que não me agrada.
Porque os dias são todos iguais.
Não sou eu que escrevo neste momento.
É outro qualquer, que costumava ter uma voz
e que cantava, e que sentia a voz fluir
num turbilhão de palavras que o faziam sentir feliz.
Sou outro qualquer, mas morto; sentindo os pés
de quem caminha neste cemitério.
Corroí-se-me a alma nestes momentos de solidão
debaixo desta terra, nesta cova que nunca cavei.
E é o coveiro que sorri de braço abraçado à enxada.
Sobrei nestes restos mortais
sem uma palavra,
eu que costumava ter uma voz.
Eu que não morri mas que estou morto.
As palavras foram mortas
facto que ninguém previu...
E foi isto que nunca fui, isto que nunca serei,
nas palavras longas e ocas
que na primeira oportunidade verdadeira
se sumiu.