quarta-feira, 22 de julho de 2009

Bater no fundo para depois sentir a gravidade

(Constituição escrita do filme.)
-Já se faz tarde. Tenho de ir arranjar um quarto de hotel.
-O quê? Ahah...
-O que foi?
-Pede.
-Peço o quê?
-Com três cervejas em cima e ainda não consegues pedir...
-Peço o quê?
-Pede. Convidaste-me para vir ao café para me pedires para ficares em minha casa!
-Não...
-Pede!
-Era chato dizeres que sim?
-É chato perguntares?
-Posso ficar em tua casa...
-Claro.
O Tyler deitou o cigarro para o chão e eu peguei na minha mala:
-Obrigado.
-Tudo bem, mas primeiro tens de me fazer um favor...Tens de me bater com toda a força que conseguires...
-O quê?
-Tens de me bater com toda a força que conseguires...
-Bater?Para quê?Isso é uma loucura!
-Porquê? Eu não quero morrer sem cicatrizes...
-Mas para quê?
-Sei lá para quê...eu nunca andei à pancada...tu já?
-Eu não, mas isso é uma coisa boa...
-Não é nada uma coisa boa! Como podes conhecer realmente alguém se não lutas com ela?
-Eu não te posso bater...isto é uma loucura. Queres que te bata a onde?
O Tyler sorriu.
-Surpreende-me!
-Isto é uma loucura...
Ganhei balanço, e depois de hesitar alguns segundos dei-lhe um soco fraco, desastrado, na orelha:
-Porra, mesmo na orelha!
-Desculpa! Meu Deus! Estás bem?!
O Tyler aos poucos, ainda com a mão na orelha, foi-se aproximando de mim...E de repente, sem estar à espera, deu-me um soco no estomago...
Que dor! Dói mesmo. Isto dói mesmo...isto é uma dor real. Senti toda a minha barriga sentida, como se nunca a tivesse realmente sentido antes. E depois, de ter recebido esta dor, uma dor forte, uma dor que não me irritou, uma dor que me fez sentir vivo, que trasmitiu a sensação de estar de facto ligado ao mundo, dei por mim a pedir ao Tyler:
-Bate-me outra vez.

Passadas duas semanas já não sentia a falta da televisão, nem do conforto de outras futilidades que pensamos que nos fazem falta, mas que realidade não fazem. A vida é muito mais do que todo o lixo que nos colocam à frente e que nós, cegos consumidores, vazios por dentro, consumimos como animais famintos e sem opcções.

A outra face

Faz agora talvez quatro anos que tentei escrever uma compilação organizada de poemas. Dei-lhe o nome de A outra face. Alguns tiveram oportunidade de a ler. Quando a leio ainda sorrio. Está bastante razoavel e gosto essencialmente do tom com que foi escrita. Olhando para o passado na altura foi o melhor que consegui expressar. Alguns poemas cheguei mesmo a colocar neste blog.

Vejo-te hoje com outros olhos,
Uma face desigual, como se existesse em cada um de nós
O mais horroso e o mais belo,
A verdade e a mentira,
A bondade e a maldade,
A eterna contrariedade do ser...
Nem sempre é a hipocrisia, às vezes é assim mesmo,
Dois pólos, dois olhos de cores diferentes.
Por vezes cegos, outras vezes conseguimos ver mais longe, ou mais perto.
Movemos montanhas ou temos medo,
Somos deuses ou somos humanos,
Ou tudo ou nada,
Tudo faz parte de histórias diferentes, quase a mesma, quase diferente,
Basta sermos humanos.

A outra face, a que vejo quando me olho ao espelho,
O mesmo rosto, os meus olhos, estou apenas mais velho.
Mas sou eu, aquilo que os outros veêm, aquilo que eu vejo,
Por vezes aquilo que eu sou...
É a outra face que todos nós temos, por vezes é dificil
saber qual é a verdadeira, a que acaba por vencer
na maioria dos momentos.

Aquela face que damos para ser esbofeteados,
A face que recebe o beijo,
A face que suporta o calor do nosso rosto em momentos de aflição
ou pressão, ou em fases mais complicadas ou de sentimento.