sábado, 29 de junho de 2013

estado de latência

Dão catorze horas num relógio que está parado,
Encostado a uma parede, impacientemente comovido,
Aguarda que a fraqueza do Homem
num acto de rara misericórdia
consiga finalmente destrui-lo.


Adormecidamente, nessa união entre o raro
e o básico, do abstracto ao concreto,
Acorda e adormece, por um lado ainda morto
por outro: ainda vivo.
Quebrado, já em peças partido,
Aguarda, aguarda mais um pouco
- E o tempo perdido?
Pela hora de ser reconstruído.

Finge-se quieto, tal caçador furtivo,
Inteligente, paciente, num processo de silêncio
protegido...A destruição da alma
é inevitável, tal queimadura profunda
não será esquecida...Tal gelo esculpido
a frio não será esquecido.

( Perde-se. Perde-se mesmo contornando as regras,
  Mãos seguram os mecanismos
  Como se ressuscitassem um coração...
  Aguenta...para que não seja em vão,
  Aniquila para que possas renascer. )

O terror da luz sobressai, nessas nuvens negras
que vigiam o céu com olhar atento,
Na espera da esperança morre o sonho,
No avanço do sentimento dá-se a emboscada da razão,
Bate o relógio, mas já bate partido,
E o seu bater não passa de um gemido,
Criado para contar o tempo,
Mas que como nós e por nós já foi esquecido.

( imagem d'a persistência da memória , por S. Dali )

domingo, 23 de junho de 2013

Todo esse nada

Os desabafos improváveis de quem sabe e sente muito mais, obrigados a reflectir nas trevas pois a luz pertence a quem não a conhece, respeita ou entende...


 Destinos, desencontros,
desistimos, tropeçamos em sonhos já mortos,
Caímos perante uma insatisfeita confusão
como que uma cidade totalmente às escuras...

Absortos num absinto absorvente,
Cantam-se hinos roucos sem entusiasmo
por esses enormes poucos
Que nos seduzem como sol
a alimentar a pele quente.

Vive-se dessa tristeza que se reflecte
nas ruas servidoras de uma única lua,
Outrora nossa, agora só tua.
A mágoa magoa como frio em pele nua,
sem aconchego, sem esperança,
sem mera cobertura.

Não se entende as escolhas dessa
gente, os seus cálculos,
os seus defeitos,
os versos rídiculos, 
Almas que se afastam tão depressa
de algo que se aproximaram tão devagar...
Não existem círculos perfeitos,
e nem mesmo eu os posso forjar.

(imagem - Alex Grey)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

escura obsessão

Vou sufocando...até decidir engolir..

Parados, concentrados apenas na apatia,
Deixam-se descansar, mesmo sem estarem cansados,
Fingindo estar presos a essa agonia...
Falsos sorrisos são esculpidos ou cavados,
Iludem-se, e querem iludir, e são poucos
os que percebem que tudo não passa de hipocrisia.

Empurrem para baixo, continuem até chegar
a esse lugar onde o Inferno fez nascer a sua história.
O calor em demasia, e todo esse sabor amargo,
Revolta o pequeno e triste fado,
de quem tenta do nascer até o sol se deitar,
Agarrar uma que seja , e mesmo que apenas uma glória.

Puxa-me para baixo, até aos confins da escuridão,
Onde a luz vive apenas na nossa memória
Na nossa recordação...
Engana-me. Continua a enganar-te,
Tal cavalo de Tróia,
Tal barco que preso ao medo não parte.

São sombras e nuvens escuras que perseguem cada passo
dado, cada passo por dar, cada má decisão, cada não-acção;
O sentimento é grandioso, levado nos braços da elevação
Até que as alturas percam de vista, além do físico espaço,
Por breves momentos acreditar vale todo o nosso esforço
Até que a verdade desperta serena, sedenta de uma escura obessão.

sábado, 1 de junho de 2013

Há dias à noite

Há dias em que vos apetece aceitar a derrota,
Virar as costas ao desejo, virar as costas ao
que faz bater o vosso peito.
Há dias em que a vontade já nasce morta,
e é mais fácil fechar uma ou outra qualquer porta,
Deixando o vosso anjo caído satisfeito.

Não é agora o momento, será sempre depois,
Agora não - jamais e em tempo algum.
Esta distância psicológica separa-vos em dois
quando quase tão perfeitamente poderiam ser um.

Não aguentam mais a luz - não hoje, não agora,
Abrem os braços ao céu escuro,
Mudar hoje não, hoje não se prepara o futuro,
Um passo, dois passos, já estavas tão perto
quando começaste a ir embora.
O desejo transforma-se numa família de nuvens cinzentas,

Que chova toda a água dos lagos, dos rios 
dos mares e dos oceanos
Que cada trovão fira os ouvidos humanos
E deixe os deuses sentirem medo pela primeira vez...

Lutam tanto para sair das trevas
mas é tão fácil para lá novamente voltar...

Neste recuar cansado
tudo o que se deseja é o quebrar das regras
das previsões certas, do que já se conhece;
por tudo aquilo que continua a faltar.
Estar-se completo como os cinco continentes antes de se terem separado...