terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Untouchable
É este um brilho interior que nunca passará pela vida da maioria de nós...Por muito que estes braços se estiquem (que já não esticam...desistiram à muito tempo), e por todo o esforço (inexistente) que o dedo faça para tentar alcançar...Não existirá luz, não existirá aprovação...é este o melhor retrato da condição humana: a um pequeno passo de tudo, sem nunca conseguir lá chegar. São poucos os que conseguem tocar esse dedo que nos espera ou que se esforça por também a nós chegar; seja a vida, seja o divino, seja a nossa outra parte. ...
Uma música que já conta com alguns anos não me conseguiu despertar, mas fez-me repensar na vida que levamos e na forma como a levamos...Parece que esta canção, para além de me devolver alguma certeza na forma humana de viver triste, descreve o povo português...por outras palavras reinventa este Fado já marcado dentro das gentes, esta calma morta, esta certeza de já nascermos derrotados...A música Dream On, encaixa na perfeição. Nunca deixámos de ser Os Vencidos da Vida, nome dado por Eça de Queiroz, apartir dos Descobrimentos...Derrotados e frustrados...sempre, para sempre...E todos estes pedaços de arte
confirmaram, dentro do meu ser, que a verdade é só uma: nós não sabemos ganhar; (se soubermos como, não o fazemos) mas sabemos de cor como perder, e como viver a derrota. Balada triste esta que acompanha os nossos passos...é como se preferissemos sofrer na dor, na derrota, na frustração, do que caminhar alegremente por esta vida fora. Seja numa decadência pura ou numa decadência camuflada, todos os dias pisamos esta não-história, deixando em aberto outros finais, outros actos, outras palavras... ...
É como falar de amor
sem nunca ter amado,
como escrever
sem nunca ter sentido...
É saber o sonho, o caminho,
mas olhá-lo com terror virando costas...
calando o seu chamamento.
É como morrer
mesmo antes de ser ter nascido,
é deitar o corpo na constante seca da vida
por se ter medo de prolongar o dedo.
É passar do sonho à alucinação...
e mentir-lhe, sem dúvida,
como se a verdade fosse nossa
só nossa...de mais ninguém.
Estes dedos jamais se tocarão...
Porque a razão está quase esgotada
e o sentimento quase chora de forma derrotada...
Como se eu me importasse
Ou então talvez até me importe
e até me importe muito...
Cataclysm
E se a esperança morresse hoje?
E se a vida acabasse amanhã?
Sejam bem vindos ao ínicio do vosso fim;
Onde os anjos choram e Deus se esconde atrás
Do sol, onde ninguém o pode ver sofrer;
Onde as ondas do mar invocam antigos seres imortais
Capazes de fazer tremer o mais corajoso mortal.
Este ar pesado, quente, este vento que traz com ele
Restos desse Inferno já tão próximo...
Não existe tempo para mais sentimentais espirais;
Os vendavais trouxeram com eles furacões,
Enormes, colossais,
E o medo cresce, expande como todo esse
Universo que ficará para trás...
Desejam estar nesse vosso calmo mundo
Admirando esse calmo mundo
Sentados no vosso cais...
E é nesse mesmo cais que podemos ver as ondas gigantescas que se aproximam inevitavelmente. As ondas colossais que em breve afogarão memórias e vidas construídas a partir do nada, retratos de quem já existiu e vestígios da nossa própria existência. Ondas que por fim chegam a terra, a esta Lisboa cinzenta e pálida, pilhada de toda a cor que um dia possuiu. As ondas chegam, tumultuosas, numa revolta sem fim, mais fortes do que a força do Homem, mais imparáveis do que queremos imaginar. Começam a levar consigo pessoas e objectos que há minutos atrás faziam parte do nosso quotidiano, mas que agora, representam aquilo que foi arrancado à força. Há quem corra para a salvação, mas outros aceitam o seu destino e deixam-se ficar, apreciando o espectáculo que é ver o mar ganhar vida e em toda a sua glória, devastar o que lhe pertence. Eu corro. Corro com toda a minha energia e força, e rezo para que chegue a hora em que eu possa parar de correr. Mas, ironicamente ou não, as minhas preces são atendidas e eu páro realmente de me mexer. Páro até de respirar. Lisboa à minha volta encontra-se mais uma vez destruída, como se de sina se tratasse. E vejo-me rodeada de destruição, do caos, de um reboliço inimaginável. O pânico corre violentamente nas veias de quem ainda ousa viver só para morrer mais tarde e por breves segundos eu deparo-me com a catástrofe que é viver rodeada de outros seres que se intitulam de humanos. Porque neste momento nada têm de humanos, nada resta da vossa grande dignidade.
O medo invade-vos as veias a toda a velocidade!
Não existe mais espaço neste mundo
Para a verdade, a mentira e a cobardia
Venceram! Que comece a calamidade.
Trovões no céu escuro aclaram
A vossa realidade!, fazem lembrar
As horas em que a luz vos iluminava.
Agora talvez seja tarde de mais...
Pagam o preço elevado de ter errado.
O caminho nunca foi traiçoeiro,
As medidas apenas foram mal tiradas,
Recuaram, choraram em horas desnecessárias,
Mas não mostraram receio na ganância!
A morte está à espreita como uma criança
Curiosa, pronta para avançar sem que ninguém
A veja...
Desejava estar morto para não vos ver
Enterrados em sofrimento,
Nesse arrependimento...
Deus terá chegado o momento?
A sorte é cega para uma moeda
Com duas caras...
Agora sorrio, enquanto a natureza
Não deixa pedra sobre pedra!
E como poderia, se as paredes estão a ruir como castelos de cartas ao vento? Como, se as paredes derretem mais rápido que a própria cera, deixando atrás de si um rasto de miséria e inseguraça? Deixaram tudo ao acaso, deram todo o controlo à grande Mãe, correndo o risco de perder o chão por baixo dos vossos pés, quando tentavam tão arduamente alcançar o céu. Quando tentavam quebrar todos os limites e barreiras imagináveis, mudar o que não devia ser mudado. Tentaram fazer o impossível, mudar a face do mundo que conhecíamos só para se poderem glorificar ainda mais, não pensando nas consequências. E agora, por isso mesmo, o fim está próximo. Estendo a mão e verifico que estão a chover cinzas quentes e poluídas, que revelam a verdadeira essência de algumas almas que andam por aí a tentar a todo o custo sobreviver ao que não se sobrevive. Que tentam já dar a volta por cima, que querem já colocar-se na vanguarda, criando vantagem sobre os o os rodeiam, pondo acima de tudo o egoísmo primal que reina a vida humana. Foi aqui, nestes últimos minutos, neste corredor cheio de corpos há muito mortos, que pude ver pela primeira vez, com os meus próprios olhos, o que numa vida inteira não fui capaz de constatar. Vi a verdade, escrita de uma maneira tão clara, tão absoluta e sincera, que deixei de temer o destino negro que a cada passo se aproximava. A hipocrisia, a falsidade, a inveja, a ganância, o egoísmo e o egocêntrismo levados ao extremo, escritos na cara de todos os que passam por mim, tentando vencer o inevitavél. Só queria que tivessem noção do que eu vejo, que conseguissem sentir a revolta que eu sinto ao ver o cancro comer-vos por inteiro. O cancro causado pela vossa alma, por vocês próprios. Caminho pelas ruas do que costumava ser Lisboa, capital de gente racional, abismada com o que a desgraça causa. O mar já veio e tirou o que tinha a tirar. O sol apagou-se deixando-nos nas trevas, a chuva tornou-se pó, cinza que vem contaminar quem há muito devia ter partido; e agora, por fim, para levar o que resta, as labaredas crescem em força, arrebatando o que nunca nos pertenceu. Arrebatando a vida humana à sua vontade, deixando-nos à mercê de um Deus qualquer, que nos redima do nosso núcleo não digno de assistir a tal baptismo de alma. Porque a desgraça só vem buscar o que de mal havia, e porque a tragédia só vem purificar a alma dos mais perdidos, deixando o que há de bom no mundo por descobrir. As labaredas tocam os céus, unindo duas dimensões, fundindo dois mundos opostos, mostrando-nos o caminho do fim do mundo. Nova onda de pânico atinge os menos iluminados quando vêem o mar ganhar nova força, ganhar novo alento de destruição, em direcção a terra. A onda vai devastando tudo à sua passagem, não poupando nada que respire ou finja respirar. Chega perto de mim, e antes de ter tempo de me cobrir por completo, fecho os olhos e sorrio porque sei que isto não é o fim.
É apenas um dos inícios.