terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cataclysm

Escrito por Diogo Garcia TH e Joana Garcia TH, pela quarta vez juntos...

E se a esperança morresse hoje?

E se a vida acabasse amanhã?

Sejam bem vindos ao ínicio do vosso fim;

Onde os anjos choram e Deus se esconde atrás

Do sol, onde ninguém o pode ver sofrer;

Onde as ondas do mar invocam antigos seres imortais

Capazes de fazer tremer o mais corajoso mortal.

Este ar pesado, quente, este vento que traz com ele

Restos desse Inferno já tão próximo...

Não existe tempo para mais sentimentais espirais;

Os vendavais trouxeram com eles furacões,

Enormes, colossais,

E o medo cresce, expande como todo esse

Universo que ficará para trás...

Desejam estar nesse vosso calmo mundo

Admirando esse calmo mundo

Sentados no vosso cais...

E é nesse mesmo cais que podemos ver as ondas gigantescas que se aproximam inevitavelmente. As ondas colossais que em breve afogarão memórias e vidas construídas a partir do nada, retratos de quem já existiu e vestígios da nossa própria existência. Ondas que por fim chegam a terra, a esta Lisboa cinzenta e pálida, pilhada de toda a cor que um dia possuiu. As ondas chegam, tumultuosas, numa revolta sem fim, mais fortes do que a força do Homem, mais imparáveis do que queremos imaginar. Começam a levar consigo pessoas e objectos que há minutos atrás faziam parte do nosso quotidiano, mas que agora, representam aquilo que foi arrancado à força. Há quem corra para a salvação, mas outros aceitam o seu destino e deixam-se ficar, apreciando o espectáculo que é ver o mar ganhar vida e em toda a sua glória, devastar o que lhe pertence. Eu corro. Corro com toda a minha energia e força, e rezo para que chegue a hora em que eu possa parar de correr. Mas, ironicamente ou não, as minhas preces são atendidas e eu páro realmente de me mexer. Páro até de respirar. Lisboa à minha volta encontra-se mais uma vez destruída, como se de sina se tratasse. E vejo-me rodeada de destruição, do caos, de um reboliço inimaginável. O pânico corre violentamente nas veias de quem ainda ousa viver só para morrer mais tarde e por breves segundos eu deparo-me com a catástrofe que é viver rodeada de outros seres que se intitulam de humanos. Porque neste momento nada têm de humanos, nada resta da vossa grande dignidade.

O medo invade-vos as veias a toda a velocidade!

Não existe mais espaço neste mundo

Para a verdade, a mentira e a cobardia

Venceram! Que comece a calamidade.

Trovões no céu escuro aclaram

A vossa realidade!, fazem lembrar

As horas em que a luz vos iluminava.

Agora talvez seja tarde de mais...

Pagam o preço elevado de ter errado.

O caminho nunca foi traiçoeiro,

As medidas apenas foram mal tiradas,

Recuaram, choraram em horas desnecessárias,

Mas não mostraram receio na ganância!

A morte está à espreita como uma criança

Curiosa, pronta para avançar sem que ninguém

A veja...

Desejava estar morto para não vos ver

Enterrados em sofrimento,

Nesse arrependimento...

Deus terá chegado o momento?

A sorte é cega para uma moeda

Com duas caras...

Agora sorrio, enquanto a natureza

Não deixa pedra sobre pedra!

E como poderia, se as paredes estão a ruir como castelos de cartas ao vento? Como, se as paredes derretem mais rápido que a própria cera, deixando atrás de si um rasto de miséria e inseguraça? Deixaram tudo ao acaso, deram todo o controlo à grande Mãe, correndo o risco de perder o chão por baixo dos vossos pés, quando tentavam tão arduamente alcançar o céu. Quando tentavam quebrar todos os limites e barreiras imagináveis, mudar o que não devia ser mudado. Tentaram fazer o impossível, mudar a face do mundo que conhecíamos só para se poderem glorificar ainda mais, não pensando nas consequências. E agora, por isso mesmo, o fim está próximo. Estendo a mão e verifico que estão a chover cinzas quentes e poluídas, que revelam a verdadeira essência de algumas almas que andam por aí a tentar a todo o custo sobreviver ao que não se sobrevive. Que tentam já dar a volta por cima, que querem já colocar-se na vanguarda, criando vantagem sobre os o os rodeiam, pondo acima de tudo o egoísmo primal que reina a vida humana. Foi aqui, nestes últimos minutos, neste corredor cheio de corpos há muito mortos, que pude ver pela primeira vez, com os meus próprios olhos, o que numa vida inteira não fui capaz de constatar. Vi a verdade, escrita de uma maneira tão clara, tão absoluta e sincera, que deixei de temer o destino negro que a cada passo se aproximava. A hipocrisia, a falsidade, a inveja, a ganância, o egoísmo e o egocêntrismo levados ao extremo, escritos na cara de todos os que passam por mim, tentando vencer o inevitavél. Só queria que tivessem noção do que eu vejo, que conseguissem sentir a revolta que eu sinto ao ver o cancro comer-vos por inteiro. O cancro causado pela vossa alma, por vocês próprios. Caminho pelas ruas do que costumava ser Lisboa, capital de gente racional, abismada com o que a desgraça causa. O mar já veio e tirou o que tinha a tirar. O sol apagou-se deixando-nos nas trevas, a chuva tornou-se pó, cinza que vem contaminar quem há muito devia ter partido; e agora, por fim, para levar o que resta, as labaredas crescem em força, arrebatando o que nunca nos pertenceu. Arrebatando a vida humana à sua vontade, deixando-nos à mercê de um Deus qualquer, que nos redima do nosso núcleo não digno de assistir a tal baptismo de alma. Porque a desgraça só vem buscar o que de mal havia, e porque a tragédia só vem purificar a alma dos mais perdidos, deixando o que há de bom no mundo por descobrir. As labaredas tocam os céus, unindo duas dimensões, fundindo dois mundos opostos, mostrando-nos o caminho do fim do mundo. Nova onda de pânico atinge os menos iluminados quando vêem o mar ganhar nova força, ganhar novo alento de destruição, em direcção a terra. A onda vai devastando tudo à sua passagem, não poupando nada que respire ou finja respirar. Chega perto de mim, e antes de ter tempo de me cobrir por completo, fecho os olhos e sorrio porque sei que isto não é o fim.

É apenas um dos inícios.


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