terça-feira, 28 de dezembro de 2010

À frente do por de trás

(anteriormente: http://versologista.blogspot.com/2010/02/ininterrupta-realidade-interrompida.html)

Nota
Desafio: foi-me lançado este segundo tema. Bem mais complexo...A exteriorização da interiorização humana. O que percebo, por palavras minhas, é tentar observar, sem ser notado, aquilo que se passa dentro do ser humano e o que passa, por assim dizer, cá para fora. Ou seja, conseguir observar o que se dá no exterior da pessoa, mas tentando entender o que se passa dentro dela. O desafio é enorme, e mais uma vez espero estar à altura do desafio. Como sempre, farei o meu melhor. Este é mais um desafio lançado pelo meu amigo Fred.(Frederico). (A escutar: Vicarious (Tool), pode ser uma ajuda preciosa. E estar atento a frases como: negar o nosso instinto é negar aquilo que nos torna humanos (Matrix, I).) Obrigado pelo desafio, espero ser útil.


Sempre fui muito observador. Desde pequeno. Não quero dizer que tenho algum tipo de dom, ou maldição. É apenas algo com que nasci. Tenho a capacidade para notar, e notar sem ser notado. Às vezes os seres humanos apercebem-se que estão a ser descortinados, regra geral já tarde de mais. Consigo perceber primeiro alguns actos e maneiras de agir do que as próprias pessoas.
E existe algo que me atormenta. Diz-se que a única coisa que é verdadeira é a dor (J.C.); e que de certa forma só sentimos aquilo que é físico. No entanto dizemos sentir outras coisas que se praticam na nossa alma, com ou sem interferência no nosso exterior (o físico). Não sei até que ponto estará este assunto de uma batalha ou de uma aliança entre a razão e o sentimento, mas talvez seja um ponto a explorar.
Agora vejamos, através das minhas palavras, aquilo que consigo observar. Tento ir buscar situações aleatórias porque já todos vós passaram (ou passarão); e tento nelas procurar o reflexo (o que está fora) daquilo que se fez reflectir (o que está por dentro).
Sejam bem vindos a esta viagem ao centro da alma humana e da sua exposição...

#A
Estou sentado no estádio de futebol. Estou rodeado, por todos os lados, por pessoas que vibram da mesma forma que eu. Aqui não existem filtros de linguagem, nem controlo de volume. Gritamos e dizemos as palavras exactas que queremos dizer. A nossa energia, a nossa vontade está em sintonia. Somos um. Todos juntos somos o mesmo. Começamos felizes e excitados quando o jogo começa. A alegria e a desilusão vão-se apoderando de todos nós durante o jogo. Quando existe uma boa jogada, ou um quase golo, o coração bate mais depressa, gesticulamos com mais energia, saltamos, levantamos-nos, gritamos! Se for golo? Festejamos alto! Muito alto, gritamos ainda mais alto. O universo festeja. A energia é solta num salto, num grito, num abraço. Passados uns segundos tudo acalma, mas um sorriso mantém-se nos lábios.

#B
Ciúme...para alguns o ciúme é algo que não se deveria sentir. Ou demonstrar. Mas a realidade é que o ciúme é dos sentimentos mais primitivos (e por isso mesmo real e importante) do ser humano. Se vemos quem amamos a rir, a gostar de estar com outrem, ou de ver alguém a rondar, a estudar, a se aproximar, de quem gostamos, como se fosse uma presa, quase já a soltar as armadilhas, o que acontece dentro de nós é colossal...Como se fossemos invadidos por milhares de choques eléctricos, algo dentro de nós começa a tremer, e uma raiva cresce por dentro. Raramente é por medo de perdermos quem nos "pertence", ou de sermos trocados...basta essa aproximação a um território que está por nós delimitado. A nossa expressão muda e qualquer sorriso que apareça será um sorriso falso. A única vontade que temos é de caminhar em direcção à pessoa amada e beija-la com toda a força do mundo; seguidamente olhar nos olhos de quem "está a mais" e destruí-lo. Pode parecer idiota, mas o ciúme é das melhoras provas que existe amor.

#C
Na mesma semana vi duas pessoas morrerem mesmo à minha frente...A morte, aos nossos olhos nada tem de bela. Vemos um corpo estendido, paralisado, sem vida, que se move apenas ao ritmo das manobras de reanimação. Nas pessoas que me rodeavam vi esperança. Vi excitação. Vi fé em algo superior. Conversam entre elas como se isso ajudasse alguém. Preferi observar em silêncio. Rezei. Rezei algum tempo...Que a pessoa voltasse a este mundo, ou que fosse bem recebida noutro mundo qualquer. Sei que a primeira prece não foi ouvida. Durante mais de trinta minutos vi o ser humano tentar salvar a vida de outro...Em vão. As pessoas começam então a caminhar como se nada tivesse acontecido, no entanto sei que aproveitarão esse dia (pelo menos) para abraçar aqueles que amam.

#D
Todos nós já fizemos exames. Esses devem ser dos momentos em que mais estamos concentrados (ou deveríamos estar) e nos quais nos parece mais difícil estar. Antes de nos ser entregue para começarmos estamos muito nervosos, temos receio mas ao mesmo tempo queremos colocar no papel tudo aquilo que sabemos. Trememos, sorrimos ou rimos devido ao nervosismo. A maioria gostaria de estar lá fora, enquanto olha a janela, mas a necessidade e a responsabilidade obriga a outra coisa. É então que nos chega o exame às mãos e aos olhos. É olhado com uma atenção vã. Lemos algumas vezes mas não entendemos o que lemos. É preciso tentar relaxar. Vamos lá tentar novamente. Agora lemos cada pergunta duas ou três vezes com calma. As coisas começam a fazer sentido. Ainda estamos nervosos mas conseguimos distinguir o que está à nossa frente. Sentimos uma pequena leveza ao nos apercebemos que sabemos a resposta concreta a algumas perguntas, sentimos um pequeno choque quando a outras ficamos sem saber, pelo menos à primeira vista, o que responder. Agora é aproveitar o tempo.

#E
Amar. O amor não é nem demasiado simples nem demasiado complexo para ser descrito. A realidade porém é que conseguimos muito ao de leve talvez expressa-lo através de palavras e reacções no nosso corpo. Como é que se consegue explicar, por palavras, ou mesmo no físico o sentirmos-nos completos? Os olhos brilham de facto? Sorriem? Caminhamos com outra energia, e em tudo o que fazemos depositamos uma magia diferente. E mesmo as coisas más têm em nós um impacto menos intenso. Quando beijamos, um verdadeiro beijo, o chão desaparece dos nossos pés, e tudo o que está à nossa volta perde o significado. Encostados um ao outro tudo é infinito e tudo o que queremos é ficar assim para sempre. Tudo é paz, tudo é amor, tudo é aprovação. E não conseguimos parar de sorrir.

#F
Por último...a saudade. A saudade une-se na maioria das vezes ao desejo. E o desejo é uma palavra que ultrapassa o senso comum. O desejo usual resume-se a: desejo físico, ou desejo sentimental, ou de companhia, ou de outras coisas ainda. Mas o desejo é saudade presente, e envolve todos os anteriores, e talvez ainda mais. Um olhar meio perdido finge deslumbrar-se com paisagem da janela enquanto esta acompanha a viagem...mas é mentira. Esse olhar está tudo menos perdido. Está é noutro lugar. Esse olhar não foca nada em concreto à nossa vista. Esse olhar percorre um rosto, um corpo, uns lábios, gestos, momentos, frases e conversas, capta olhares, manifestações...Esse olhar está tudo o que pode estar menos perdido. É um olhar que nos parece distante...e está de facto, mas distante de nós, está algures noutra pessoa ou noutro local. E apodera-se um desejo de voltar para trás...ou de não sair do lugar (se ainda lá estivermos). Não quero ir. A vontade é forte, mas não bastará. E dentro de nós a frustração instala-se. Uma ânsia, uma revolta...Queremos tudo de novo. Queremos o que não podemos ter. Porquê? Não sei.
Se olharmos outra vez para aqueles olhos que fingem olhar o vazio podemos notar uma lágrima que escorre.
Porque existe uma grande diferença entre silêncio frio e palavras mudas.


Nota final
Amei do desafio. E fiz o meu melhor. Mas tenho consciência que podia ter feito isto de outra forma, não diria mais correcta, mas mais útil...Mas foi o que consegui, pelo menos para já.