quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Bater no fundo para depois sentir a gravidade

(1ª parte : http://versologista.blogspot.com/2009/07/bater-no-fundo-para-depois-sentir.html )
(Constituição escrita do filme.)

Ontem o Tyler disse-me que ao menos a Marla estava a tentar bater no fundo...levei a mal. Como se eu não tentasse...De momento estamos na cozinha desarrumada do Tyler. Ele está a fazer sabonete caseiro. Não vos passa pela cabeça a origem da melhor gordura para fazer sabonetes...Isso mesmo, gordura humana. O Tyler está a mexer nas panelas, com uma luva amarela na mão.
-Aproxima-te. Senta-te.
Sentei-me à frente do Tyler, virado para a mesa de madeira rectangular. A mesa estava cheia de objectos e substâncias dais quais eu não fazia a minima ideia da sua função.
- Dá-me a tua mão.
Eu dei-lhe a minha mão. O Tyler pega na minha mão e beija-a com um ar de respeito.
-Para que foi isso? Perguntei eu.
Ele pega num recipiente branco e antes de colocar o seu pó na parte de cima da minha mão diz:
-Isto, é uma queimadura química...
MAS O QUE É ISTO? QUE DOR! PÁRA! PÁRA! O QUE ME ESTÁS A FAZER?! Isto pensei eu, numa agonia dolorosa, porque da minha boca só saiam gritos, gritos de uma dor imensa.
O Tyler segurava-me na mão, com uma força também imensa. E a dor não me permitia encontrar resistências para a puxar da mão dele. A minha dor abafava qualquer ruído exterior...Estava sozinho com a minha dor...mas não seria por muito tempo. Vou-me refugiar longe disto...fechei os olhos...tentei ignorar a dor...foi isso que me ensinaram nos grupos de ajuda...Aqui estou eu...a entrar na minha caverna escura, a manter a calma...O Tyler começou a falar:
-O que estás fazer?! Não a ignores! Essa é a tua mão! A tua mão! Não a tentes ignorar! Aceita-a! Estás-me a ouvir??
Eu não queria ouvir...voltei-me a concentrar na caverna...na ausência da dor...sim...quero sair deste sitio...O Tyler deu-me um estalo na cara:
-Estás-me a ouvir? Estás a desperdiçar o melhor momento da tua vida! Aceita a dor, não fujas dela!
Eu ainda concentrado na minha dor (estranho seria não estar) não sabia que estava prestes a aprender mais uma lição da minha vida...O Tyler continuou:
-Não deves temer a dor, é a tua dor, tens de te deixar ir, saber que é tua, aceita-la, e só depois estarás livre...primeiro deves aceitar. Nós vivemos num mundo destruído, em ruínas...Já viste o que os nossos pais nos deixaram? Deixaram-nos todo o lixo para limpar! Os nossos pais confiaram em Deus...olha como estamos hoje! Achas que Deus gosta de ti? Que Te protege? Tens de colocar a possibilidade de Deus não pensar em ti! Eu digo, nós não precisamos de Deus!
-Não?! Gritei eu...não queria ouvir...queria acabar com a dor.
-Tens de colocar a possibilidade de Ele nem sequer gostar de ti!
-Dá-me água! POR FAVOR.
-Ouve-me...(o Tyler falava muito calmamente...como se soubesse o que eu estava a sentir)...Podes por água e piorar a dor...ou colocar vinagre e acabar com a dor. Mas primeiro tens de aceitar a dor!
-TU NÃO SABES O QUE ISTO DÓI!
O Tyler não me disse nada, mostrou-me a sua outra mão e na parte superior via-se uma cicatriz com muito mau aspecto...do tamanho da minha actual nova ferida.
-Tu tens de aceitar. Primeiro tens de aceitar.
Reparei na mesa que estava repleta de coisas estranhas...estavam todas espalhadas no chão devido aos movimentos de dor que dei, de um lado para o outro.
-Tu tens de aceitar a dor, só depois disso estarás livre.
O Tyler com a garraja de vinagre na mão olho-me nos olhos e disse-me:
-Para ganhares tudo, para conseguires seja o que for, primeiro tens de perder tudo...toda a esperança. E só depois estarás livre.
Olhei para a minha mão...porque não enfrenta-la? Para quê fugir? Isso é o que todos fazem...e nunca os leva a lado nenhum. É preciso aceita-la? Pois que assim seja...parei de tremer. Se fosse uma dor para sempre, teria de me habituar...se não, estaria ali a suporta-la, até acabar. Parei de tremer. Estava a sentir a minha dor, na minha mão. A minha dor. Aceitei-a. O Tyler aos poucos foi largando a minha mão...acabando por larga-la completamente. Deixou-a suspensa durante uns segundos...
Eu soprava de dor...mas uma dor aceite. A diferença, acreditem, é imensa. O Tyler colocou vinagre em cima da ferida...
Caí de lado no chão, a segurar a minha mão, a minha nova ferida. Aliviado. Não por estar sem dor, mas por ter percebido a importância de a ter ultrapassado.
-Agora sim, já bateste no fundo...

My Last Breath (finalização)

"Quantas palavras já ditas em vão...
Quanto tempo é que precisas para chegar a uma conclusão?" (STK)

Despeço-me desta realidade...
Foi-me aberta uma janela, uma saída,
Que foi fechada logo de seguida...
Desperdicio...
Segredo vitalicio, erro propicio
ao fim dos meus dias, nesta realidade.
Quantidade pouca, qualidade menor,
Frases, palavras sem conteúdo...
Gastas em vão, sem reflexo nas pessoas,
Sem nenhuma reflexão.
É o risco que eu corro,
Correr até ficar sem fôlego,
Na busca inalcansável de um universo bem melhor...
Não resta mais nada nosso...
Já nada me sobra para te ensinar...e como eu gostava
de ensinar.
A vida passa, a evolução cega almas, cria barreiras.
Já não tenho mais nada para te ensinar.
Na vergonha de me esconder na escuridão,
Assino uma despedida
No meu último momento de respiração.