quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Ancestral spirit
(Post 400 nas Narrativas de um monstro)
"So let the light touch you, so let the words spill through And let them pass right through Bringing out our hope and reason..." (Reflection - Tool)
"A verdade é que a saudade que passou não é mais que muita..." (D.)
É com olhos de como se fosse sábio
que aprecio as labaredas desta fogueira
que vai consumindo cada pedaço de árvore
que foi ceifado e apanhado por esta família.
Não são perigosos terrenos, são terrenos humanos;
e são estas pequenas paisagens
que se aproximam da minha alma
com um calor capaz de tocar a face, as mãos,
que me fazem compreender que talvez esteja sozinho neste universo.
Será o abstracto? Onde está o errado ou o certo?
São estas pequenas viagens aos quatro elementos
a toda uma Mãe Natureza
que me fazem desejar sair do corpo
e falar, estar mais longe de tudo isto.
O calor toca-me mas mantenho-me sentado
a apreciar a magia de cada chama,
e tudo vai ardendo
numa calma celestial...
O relógio toca, e toca onze vezes, na sala de jantar...
Vim eu aqui outra vez
perder o meu tempo,
devagar, como essa madeira que vai ardendo sem pressa...
E ao longe fica o mar,
Ficam os rios.
O vento bate nos vidros da janelas...
Mas eu saio de casa
e sinto esse mesmo vento a bater-me na cara
sem esse escudo da janela;
e não me magoa. Com a dor física posso eu. Seguro-a
com mais força do que aquela que ela aplica em mim.
É fácil. É muito fácil.
Com esta dor posso eu bem.
E sinto o cheiro a terra fresca, molhada,
uma terra que era seca sofreu na pele toda uma chuva
que caiu abundantemente.
Levo a minha mão ao solo e tiro um pouco de terra.
A minha mão ficou fria, molhada,
e eu deixo-a cair, sem pressa, como a labareda
que continua a queimar devagar o pedaço de madeira
que outrora foi vida, foi árvore.
Não me basta fingir que controlo...Não me basta não.
E é então que cravo com toda a força toda a minha mão
na terra; os dedos as unhas, toda a mão;
E sinto a terra, as raízes, as pedras,
pequenas ou maiores, tudo na mesma terra;
são insectos, restos de folhas, restos de insectos;
frutos...tudo na mesma terra, em contacto comigo.
Como consegui eu ser enganado pelos meus sentidos
nessa calma celestial?
Como enganei a minha alma
ao passar-lhe esta sabedoria
espiritual?
Como posso eu agir bem
quando tudo o que tenho em mim é o mal?
Acabei por perceber, como todo aquele que é sábio
que a verdade não está na união que criamos com
tudo aquilo que nos rodeia...e como todo aquele que é sábio
descobri-o demasiado tarde;
a verdadeira ligação, capaz de nos fazer devorar
com fome um pedaço de madeira de forma calma, como faz o fogo,
de forma a prolongar esse momento,
dando à sua volta o calor,
será apenas bem aplicado encontrando numa pessoa
a necessidade de nos transformar-mos em fogo.
Um chama perdida
consome o último pedaço de madeira...
Não restam dúvidas, valeu a pena.
Talvez o fogo encontre outros pedaços de madeira
para arder, para se unir, de forma a criar calor,
e magia. E talvez nenhum pedaço traduza o mesmo efeito...
Talvez o fogo não passe disso mesmo, uma magia sempre diferente,
sem forma de segurar para sempre
o calor mais vital.
Talvez a árvore que segurou o fogo
ainda tenha raízes
e volte a chegar a ele.
No abismo deste silêncio
a chama é poderosa,
porque a chama está viva,
e apenas um olho mais atento
um olho que nada teme
conseguirá perceber
que a única diferença
está na cor:
na cor do olho
na cor do fogo
na cor da árvore.
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