quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Vingança (Acto Terceiro)

"We spend our lives destroying, hating.." (LAM)
Desta vez, o único réu, sou eu.

Não cheguei a acordar do pesadelo...
Quando dei por mim, estava apenas a vivê-lo.
Os sonhos saboreiam-se até se ser reconhecido
a sua impossibilidade. E cai nessa altura
um trago amargo na minha garganta...
Como fui capaz de levar o sonho tão longe?
Mas o ser humano finge erguer-se,
Finge ganhar forças...
Finge tentar novamente.
Já o disse, há muitos anos, sou diferente
de vós por ser um monstro consciente.
As garras afiadas penetram carne humana,
Umas vezes para salvar, outras para deixar
menos viva.
Rasgo a realidade por tentar aplicar nela alguma cor,
alguma magia. Não algo ilusório. Algo com significado.
Por vezes consigo. Outras vezes mancho a realidade,
Com nódoas bruscas de tons cinzentos e pretos.
A minha pele é dura, mas a dureza tem pouca espessura.
E por dentro da pele, existem várias camadas.
Algumas estranhas, outras usuais, outras melhor limadas.
O desejo de encontrar algo pelo caminho é muito forte,
E quando encontro quase largo tudo, muitas vezes por nada.
Mas o ser humano chora, o ser humano finge ter aprendido
com o erro...
Eu não choro, eu não finjo ter aprendido. Ainda não aprendi.
Porque razão devo mentir? Devo colocar-me aos vossos pés,
Com uma face comovida, fingindo-me renascido?
Não...
Prefiro viver no meu pesadelo.
Existem duas saídas para quem vive com uma sombra de parceira:
Sair dela, mais forte,
Ou ficar nela, apodrecendo...
Se olharem para mim, como mero criador de frases,
Nada vos custará. Não vos voltarei a fazer sonhar,
Nem a querer mais do que o que podem.
E os meus olhos?
Os meus olhos valem pela clareza...
Olha-me nos olhos e verás o que sinto.

Vingança. Ultimamente vivo rodeado
de desilusão, tento agarrar pequenas peças,
Mas é tentar em vão.
E a frustração acompanha-me, em passos largos.
E quando penso...penso muito mal.
E por muito que queira,
o rancor, e a raiva, e o ódio,
Estão cá.

2 comentários:

Joana disse...

Brilhante. Penso que este é o melhor de sempre. Um retrato tão real, tão claro e perfeito da condição humana, das pessoas, dos imperfeitos mortais que todos somos.
Mais uma vez, não escondes quem és ou o que fazes. Não finges não errar, não finges ser perfeito. Não finges só porque todos os outros o fazem e és capaz de ver que eles estão a fazer isso. Perfeito, genial mesmo. Gostei imenso no geral, e de algumas frases. Talvez a melhor seja, para mim: «Já o disse, há muitos anos, sou diferente
de vós por ser um monstro consciente.» Há ainda outras como «Como fui capaz de levar o sonho tão longe?» que se aplica imenso a mim, mas há outras que são realmente sobre ti, perfeitamente enquadradas. Não tenhas medo de errar, tens de saber é admiti-lo. :) Perfeito, espero que a tua espiral nunca tenha fim. *

Maggie disse...

Gostei muito do poema.
Também eu me identifico com ele algumas vezes.
Parabéns!