quarta-feira, 2 de junho de 2010
Outra
Todos os dias passo por este "quadro" implantado na parede. Acho-o fantástico. Para mim é a coisa mais bela dessa terra cinzenta chamada Barreiro. É arte. Todo um desespero, por "carregar", por viver neste mundo. A vida é uma porcaria ou é bela? Ou é um pouco das duas? Porque existem pessoas que têm a capacidade de alterar isto? Porque temos nós o poder de fazer o mesmo aos outros? E a nós próprios? Se ter razão bastasse...Se ter sonhos bastasse. Se apertar um coração nas mãos para o por a funcionar novamente bastasse...E talvez baste. Depende das pessoas.
Tudo nesta vida depende do valor que damos às pessoas e aos momentos e às coisas...Disse-o sempre, e direi sempre. E agora que entendo isso...sinto-me triste. Porque tem de ser assim? Tudo depende do sentimento aplicado. E depois? Depois não sobra mais nada, é ter força e imaginação para sonhar outra vez.
E se eu não basto então basta.
É outra manhã. O sol nasceu.
O sol brilhava. Eram dez da manhã.
Sentia em mim toda a alegria do fim de tarde
e da noite anterior. Está vivo. Estava feliz.
Em mim fluía a paz do mundo, o calor e o amor do mundo.
Como podem coisas tão pequenas valer tanto para mim?
Senti-me inteiro, preenchido, senti-me no sitio certo
como se tudo o que estava a viver fosse
aquilo que eu sentiria e faria durante o resto dos meus dias,
até ser ceifado pela morte.
Eu não podia estar mais feliz.
A sensação é tão forte, que mesmo uma má notícia,
não me iria abalar muito, como se naquele momento
toda a minha sensibilidade estivesse hipnotizada
para algo mais forte, mais importante.
Eram dez da manhã...o sol brilhava. E estava muito frio.
Muito frio. A temperatura quase roçava esse número que separa
o positivo do negativo.
Mas ali estava eu, quase despido, na varanda
a fumar um cigarro e meio.
Tinha frio?
Não me lembro.
Não me afectou.
Nada.
Tinha algo que emanava de mim, de forma tão segura,
tão quente, que nada, nem mesmo esse frio
que deixava os carros com geada me fazia nada.
Eu, estava completo.
É mais uma prova do sentimento.
Eu estava bem, e não queria estar em mais lado nenhum.
Mas foi apenas uma manhã. Outra.
Outra manhã, que está presa na minha memória.
E que me leva e me trás...me leva, eu deixo-me quase ir
feliz. Palmilhando esse sentimento outra vez...
Mas quando percebo que apenas é uma fotografia
eu volto...e volto sem nada.
E a tristeza abate-se. E toda a minha alma sacode-se fisicamente
como que para mandar para longe o pensamento que foi pensado.
E fico ali, na minha cama, a tentar ir esquecendo, a pouco
e pouco...até me perder da amargura da saudade.
E depois? Tento fugir.
E ao inicio custou. Ainda custa. Mas um dia, querendo ou não,
talvez deixe de custar.
Não choro por um dia que passou, mesmo sabendo
que não voltará a acontecer...
Choro por uma sensação que senti, como única
como duradoura, como delineadora de uma existência.
Se assim o foi, ou é, é assunto que para mim chega
ser sentido.
E tudo o que sou, fui-o numa outra manhã.
Um círculo perfeito? Eu senti-o e vivi-o.
Eles existem, cabe-nos deixa-los ser
ou termina-los.
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