quarta-feira, 9 de junho de 2010

As asas do demónio

Folheio o livro da minha vida...
Leio com dificuldade, pois a luz já é pouca.
Ainda tive tempo para relembrar muita da história antiga,
desde de paixões e ódios, quando gritei
e quando a voz ficou rouca.
Se vivi, então também morrerei.
O que mudou no mundo
e o que mudou em mim.
Respiro fundo. Sinto o ar entrar nas profundezas
da minha alma. Existirá retorno?
Sei que existe fim...
Recordo inícios, entretantos e fins,
Recordo o que se foi mantendo, o que sempre quis.
Mas a luz já está a ficar pequena...quase já não vejo.
Tudo aquilo que desejei e ainda desejo
tudo numa história que se foi alterando
mas nem sempre. Nem para sempre. Vai escurecendo.

Tiro os olhos do meu livro e procuro
a luz que se vai apagando...
E é então que fico com o rosto duro
vejo duas asas que se vão abanando
são negras, de um negro nunca antes por mim visto.
Terá chegado a minha hora? Mas eu ainda existo,
ainda quero existir. Acredito que ainda fazer mais
muito mais,
fazer sonhos transformarem-se em acontecimentos reais.

Não tremo. Medo?

Todos temos fantasmas, demónios, problemas.
E todos temos a mesma força necessária para os derrubar.
É fácil? Não. Raramente. E no entanto a força
está cá dentro. E quando não está
alguém a dá, alguém a reavive.

As asas do demónio batem com força.
O meu livro voa contra parede.

Numa voz estranha pergunta-me:
porque esperas?
O meu desespero ainda não chegou a esse grau.
quando desistes?

Não será hoje. Fecho os olhos,
e penso na acção. E penso em tudo o que ainda vai
ser dito e feito, racionalizado e sentido.
Abro os olhos. E volto a pegar no livro. Continuo a ler.
O demónio desapareceu.

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